No fundo, somos meras recordações. A maneira
mais bela de recordarmos os outros é sermos a pessoa que fizeram de nós. Somos
pedaços de pessoas, pedaços de alma, pedaços de seres, novos e velhos, que nos
deram a mão em alguma estrada da vida. Como diz Saint-Exupéry, “aqueles que
passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.
Partimo-nos a cada momento. Cada gesto deixa uma leve marca no tempo. Leve? No
tempo sim, mas duradoura. Começamos a pensar por nós próprios, a agir com consciência,
a crescer… E apercebemo-nos que apesar das escolhas, fomos moldados por outras
mãos, algumas mesmo desconhecidas. E sentimo-nos orgulhosos com o que
atingimos, com as diversas lições de vida que fomos aprendendo ao longo destes
anos todos. A idade começa a ser um posto. E deixámos de ser a criança curiosa
para nos tornarmos no responsável adulto. É inevitável. A constante
aprendizagem desacelera. O que antes andava a mil é obrigado a quedar-se para
os cem. Não. Agora, continuamos a aprender mas somos incumbidos de ensinar, de
fazer parte, de ser exemplo. E ser exemplo custa. Porque apesar do orgulho
daquilo que atingimos e da vaidade na sabedoria, ensinar tudo o que achamos
correto não se limita apenas às nossas ações, mesmo elas falíveis. Mas essa
dificuldade não tem de ser um obstáculo inultrapassável. O importante é não
ficar parado. Tentar passar por cima, não conseguir, errar. Procurar ir à volta,
perceber que não tem fim, parar. Olhar para trás, procurar soluções, encontrar.
Ser mais. Ser maior. Ser maior ainda que o obstáculo! E ser grande. Grande
naquilo que se faz, que se entrega. Ser inteiro. Passam dias, meses, anos. Mas
é possível. E era só isso que interessava. Possível. E seguimos em frente. As
recordações lá ficam. É a vez delas.